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PROTEÇÃO À COMPETITIVIDADE

Capítulo 03

O SBCE deve ser implantado de forma gradual e com mecanismos que assegurem a custo-efetividade, mas sem perder de vista o cuidado em promover e proteger a competitividade das empresas reguladas

No Capítulo 2 recomendamos a implantação gradual do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), iniciando-se com os principais setores da economia que são intensivos em carbono e regulando somente emissões de dióxido de carbono (CO2), principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa. As fases seguintes incluiriam, de forma gradual, empresas de outros setores e os demais gases causadores do efeito estufa.

Como se trata de um instrumento que prioriza o custo-efetividade, o SBCE ajudará a reduzir os custos sociais para o cumprimento das suas metas.

Entretanto, para maximizar o alcance da trajetória de custo-efetividade, o sistema tem de ser desenhado com mecanismos que minimizem:

• Os custos de participação dos regulados e de monitoramento do regulador;
• O risco da perda de competitividade do setor regulado induzir a uma produção alternativa fora do setor, de forma que a precificação não atinja o efeito climático desejado.

Por isso, o SBCE deve ser gradualmente implantado com mecanismos que assegurem a custo-efetividade, mas com o cuidado de sempre promover e proteger a competitividade das empresas reguladas.

A seguir, são analisadas a natureza e as opções dos principais mecanismos de proteção à competitividade e como esses instrumentos têm sido adotados na experiência internacional. Por fim, teremos as recomendações do CEBDS para a inclusão desses mecanismos no marco regulatório do SBCE.

EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Os custos para a elaboração do relato de emissões e para a criação de uma plataforma de operação de comércio, além de reduzir os ganhos econômicos do sistema de mercado, podem ser financeiramente onerosos dependendo do tamanho da empresa que tem suas fontes reguladas. Da mesma forma, o monitoramento e supervisão por parte do regulador tende a aumentar com o número de fontes reguladas.

Por isso, os sistemas de comércio de emissões se utilizam de um limiar de participação que define, por fonte, um limite mínimo de emissões acima do qual a participação se torna mandatória e abaixo do qual a participação é voluntária. Como se pode observar na Tabela 1, nas experiências internacionais analisadas, esse limite para EU ETS e Califórnia C&T Program é de 25 ktCO ²e. Já nos sistemas do México e da Coreia do Sul, esse patamar atinge, respectivamente, 100 ktCO ²e e 125 ktCO ²e. Um limite mais alto pode refletir tanto a distribuição da dimensão produtiva das fontes e seu perfil de emissões e/ou uma medida adicional de proteção ¹.

Considerando que a escala de produção das plantas industriais no Brasil tende a ser mais próxima da Coreia do Sul e do México, sugerimos que o limiar de participação na primeira fase do SBCE seja de 50 a 100 ktCO ²e, a ser reavaliado nas fases seguintes ao longo da consolidação do sistema de relato de emissões.

Risco de Vazamento

O vazamento de emissões consistiria em um aumento do número de emissões fora da jurisdição regulada por conta do crescimento das importações (ou redução das exportações), resultante da perda de competitividade da produção doméstica com a meta da precificação. Há duas abordagens gerais para mitigar o vazamento: ajustes na fronteira para exportações e importações e alocação gratuita de direitos de emissões.

A literatura econômica indica que uma forma de proteger a competitividade é adotar a mesma incidência de direitos de emissão nas importações que competem com a produção doméstica dos setores regulados. Trata-se do ajuste na fronteira (border adjustment). Outro ajuste que poderia ser considerado em caso de vazamento é a desoneração de direitos de emissão do produto exportado dos setores regulados.

Por outro lado, esses ajustes de fronteira podem esconder objetivos protecionistas puramente comerciais que afetariam, em maior grau, os países menos desenvolvidos e, por isso, estas medidas são acompanhadas de controvérsias na Convenção do Clima e na Organização Mundial do Comércio (OMC), além de serem geralmente restritas nos Acordos Multilaterais de Comércio.
Esse tratamento isonômico do ajuste de fronteira pode ser realizado de duas formas: numa medida da intensidade de carbono do produto importado ou na paridade das emissões médias domésticas do mesmo produto nacional.

A primeira opção é mais adequada às regras da OMC, mas, nesse caso, países exportadores podem discriminar produções com menor intensidade de acordo com tais ajustes. Esse mecanismo tem mais efeito quando as emissões das importações são mensuradas na paridade das emissões domésticas, embora a mensuração dessa intensidade de carbono de referência seja técnica e politicamente complexa².

¹ Para mais detalhes ver ICAP (2020) e World Bank (2020).
² Há outros problemas adicionais de como aplicar tributo equivalente ou compra de direitos de um pool específico, e de como fazer ajustes das emissões indiretas quando a produção de energia é regulada no mercado. Ver, por exemplo, Dybka et al. (2020).

Alocação gratuita dos direitos de emissão

Dessa forma, como amplamente reportado nas resenhas mundiais de precificação de carbono3, o mecanismo de proteção à competitividade que mais tem sido adotado é a alocação gratuita de direitos de emissão (ver Tabela 1). Na maioria dos setores, há uma parte alocada gratuitamente e outra comprada em leilões. Ao final de cada período, cada fonte regulada precisa conciliar o total emitido com o total de direitos de emissão gratuitos e comprados ₄.

A gratuidade também é uma forma de, progressivamente, gerar aprendizado para regulados e reguladores, ajustar custos de regulação, corrigindo imperfeições, e construir apoio público para o mecanismo.

O processo de alocação gratuita de direitos de emissão requer, então, a definição de critérios para:

• Identificação de setores com risco de competitividade que serão beneficiados pela gratuidade;
• Definição da quantidade a ser alocada gratuitamente por fonte elegível;
• Métrica da distribuição da alocação gratuita.

Identificação de setores com risco de competitividade

Alocações gratuitas de emissões são direcionadas a setores com risco de vazamento de comércio, intensivos em emissões e expostos ao comércio internacional (EITE, do inglês emissions-intensive, trade-exposed). Os critérios para a definição desses setores considerados em risco geralmente combinam indicadores de intensidade de carbono, de custos adicionais de mitigação e de comércio internacional.

Por exemplo, nos indicadores do EU ETS, a partir da Fase 3, um setor ou subsetor é considerado em risco significativo de vazamento de carbono e, portanto, com alocação gratuita5, caso aconteçam as seguintes situações:

• Os custos diretos e indiretos induzidos pela aplicação da diretiva aumentem o custo de produção, calculado como proporção do valor agregado bruto, em pelo menos 5%;
• A intensidade do comércio do setor com países terceiros (importações e exportações) for superior a 10%.
Um setor ou subsetor fora da lista poderá também ser considerado exposto nos seguintes casos:
• A soma dos custos adicionais diretos e indiretos é de, no mínimo, 30%;
• A intensidade do comércio fora da União Europeia for superior a 30%.

Já no California Cap&Trade Program, critérios foram sintetizados de forma a criar uma lista de subsetores com grau de risco de baixo, médio e alto6. Na Coreia do Sul e no México, essa divisão de risco de vazamento não foi adotada nas fases iniciais e foi oferecida a alocação gratuita para todos os setores regulados, embora esteja sendo cogitado nas fases seguintes ₇.

Como se entende que a primeira fase do SBCE deve se restringir aos setores intensivos em carbono, a gratuidade máxima deve ser estendida a todas as fontes reguladas nessa fase inicial.

E, nas fases seguintes, para acomodar as variações de participação no comércio internacional da economia brasileira, sugere-se indicadores similares aos empregados no EU ETS, com gradação menos restritiva dos parâmetros adotados, considerando o grau de competitividade da indústria brasileira, com base em estudos de modelagem econômica e análise de impacto regulatório (AIR).
Essa sugestão está alinhada com a proposta do Projeto PMR Brasil (ver Quadro 1).

₃ Ver ICAP (2020) e World Bank (2020).
₄ Ver, p.ex., Monjonab e Quirio (2011).
₅ Ver, p. ex., Marcantonini et al. Para a evolução do sistema de alocação gratuita no EU ETS.
₆ Ver https://ww2.arb.ca.gov/our-work/programs/cap-and-trade-program/allowance-allocation
₇ Ver Gobierno de México (2019) e Oh et al. (2017).

Quadro 1 – Proteção à Competitividade no Projeto PMR Brasil

Preservar a competitividade dos agentes regulados foi visto como ponto chave nas análises e consultas do Projeto PMR Brasil, tanto por participantes do setor privado quanto do setor público, e foi definido como pré-condição para o lançamento de um Sistema de Comércio de Emissões (SCE).
A principal forma de proteção à competitividade analisada no Projeto – e também a mais adotada na experiência internacional – foi a alocação gratuita de parcela das permissões de emissão aos agentes regulados. Tal dispositivo é utilizado, em maior ou menor escala, em todos os SCE existentes hoje no mundo e funciona por meio da redução dos custos de conformidade dos agentes regulados.

De maneira conservadora, a análise de impactos do Projeto PMR Brasil adotou alocação gratuita de 50% das permissões por agente regulado (0,5 x emissões base x (1- meta de redução), com 10% de alocação gratuita adicional para segmentos considerados em risco competitivo. O risco competitivo, seguindo a experiência internacional, foi avaliado segundo uma combinação de indicadores de intensidade de comércio e custo de conformidade, embora parâmetros de intensidade de emissões tenham sido indicados como alternativa de aplicação mais simples ao custo de conformidade.

Formas alternativas de proteção à competitividade dos agentes regulados analisadas foram:
(i) a isenção de exportações, que busca mitigar preocupações relacionadas à competitividade do produto nacional no mercado externo; e (ii) a adoção de ajuste de fronteira (carbon border adjustment), que busca mitigar preocupações relacionadas à competitividade do produto nacional relativa às importações no mercado doméstico. Embora sejam maneiras teoricamente mais efetivas de se proteger a competitividade dos regulados, não são livres de controvérsias na OMC. No caso da isenção de exportações, mais simples e já adotada em outros contextos, devese garantir que a isenção não configure subsídio à exportação, de modo que, se adotada em conjunto com a alocação gratuita, deve-se ajustar a isenção à parcela leiloada. Já a adoção de ajustes de fronteira é mais complexa técnica e politicamente, já que a OMC teme que esta tenha motivações protecionistas.

A falta de consenso e de experiências bem-sucedidas de países com ajustes de fronteira até hoje gera substancial incerteza, algo que foi refletido nos resultados da AIR do Projeto PMR Brasil. O cenário que adotava ajustes de fronteira como medida de proteção à competitividade, com um desenho que mantinha a isonomia entre produto nacional e exportado, obteve menor pontuação global do que o cenário com alocação gratuita de permissões. Olhando em mais detalhe, nota-se que tal fato é explicado em sua totalidade por desempenhos mais fracos nos critérios “factibilidade administrativa” e “aceitação pública”, claramente ligados à controvérsia existente, apesar de um desempenho ligeiramente superior no critério “impactos econômicos”.

Deste modo, recomenda-se observar os desenvolvimentos do tema no campo internacional antes de propor algo do tipo. Sendo assim, o principal mecanismo de proteção indicado para a primeira fase do SCE nacional é a alocação gratuita de permissões (podendo ou não ser acoplada à isenção do produto exportado). Ainda, indica-se um processo de implantação gradual, com esta fase focada no aprendizado, desenvolvimento de instituições e da base de dados, com destaque para o sistema de Mensuração, Reporte e Verificação (MRV). Consequentemente, pela simplicidade de aplicação, recomenda-se que, nessa fase, a alocação seja feita por grandparenting. As parcelas de alocação gratuita poderiam alcançar 100% em caso de segmentos sob risco competitivo (80% para todos os agentes regulados, com 20% adicionais para segmentos expostos). Nas fases seguintes, indica-se que a alocação gratuita seja gradualmente reduzida e feita por benchmarking.

Mecanismos auxiliares que possuem outros objetivos, mas também contribuem para proteger a competitividade dos agentes regulados, tratados no âmbito do projeto são:

Limiares de regulação: busca isentar pequenas e médias empresas e reduzir o custo regulatório, sem grande prejuízo à cobertura total de emissões. A partir da experiência internacional (25ktCO2e) e de consultas a stakeholders, propôs-se limiar de 40ktCO2e na fase inicial.

Offsets: mecanismo de flexibilidade essencial ao país, os offsets gozam de grande suporte dos stakeholders consultados e revelaram, na modelagem elaborada, importante papel na eficiência, na contenção de custos e no incentivo a investimentos do instrumento. Recomendou-se permitir 20% de conciliação com offsets domésticos de atividades não reguladas na fase inicial.

Reciclagem de receitas: a natureza extrafiscal do instrumento sempre guiou as análises, de modo que se buscou um instrumento sem fins arrecadatórios. Desonerações tributárias e assistência direta à inovação “verde” nos setores regulados se destacam como destinos que contribuiriam para fomentar a competitividade.

Guido Penido, Projeto PMR Brasil, Coordenador – 3º Workshop

Definição da quantidade a ser alocada gratuitamente por fonte

Depois da identificação dos setores com risco de perda de competitividade, há de se definir a quantidade das alocações gratuitas. Quanto maior o risco de vazamento, maior seria a proporção da alocação gratuita. Como mostra a Tabela 1, a experiência internacional indica que a alocação gratuita é bastante alta nas emissões durante as fases iniciais para mitigar riscos e favorecer sua aceitação por parte da sociedade, principalmente dos agentes regulados, sendo diminuída ao longo das fases seguintes. Por outro lado, a gratuidade muito elevada pode criar o risco de proteção excessiva e prejudicar o incentivo da precificação.

Todos os sistemas analisados na Tabela 1 adotaram, na sua primeira fase, um fator de proteção de 100%. Ou seja, 100% das emissões esperadas das fontes reduzidas da meta geral de redução (cap) foram oferecidas gratuitamente ₈.

Essa alocação totalmente gratuita foi motivada pela carência inicial de dados robustos de relato de emissão, e no intuito de minimizar os temores dos regulados nessa fase experimental.

Observou-se, entretanto, que 100% de gratuidade reduziu a atividade de comércio de tal forma que afetou a liquidez de tais mercados e resultou em sinais de preços muito fracos e voláteis ₉.

Enquanto no EU ETS os setores expostos a vazamento continuam recebendo 100% de gratuidade, para os outros setores se reduz gradativamente essa proteção. Esse processo, além de aumentar a sinalização de preços nesse mercado, não prejudicou a competitividade das empresas com fontes reguladas (ver Quadro 2).

₈ Ver ICAP (2020) e World Bank (2021).
₉ Ver, por exemplo, Betz e Sato (2006), Hsia-Kiung et al. (2014), Oh et al. (2017), Narassimhan et al. (2016), e Gobierno de México (2019). Redução de liquidez pode também acontecer por conta do sucesso de outras políticas climáticas, como subsídios e padrões, que ajudam a reduzir as emissões e, portanto, a demanda por direitos de emissão, ver Beck e Kruse‑Andersen (2020).

Quadro 2 – Efeitos Competitivos no EU ETS 

Como já mencionado, o impacto de um instrumento de precificação depende das metas de redução de emissões e dos mecanismos de proteção à competitividade. Como no EU ETS as metas foram gradualmente crescendo e a alocação gratuita foi mantida para os setores intensivos em carbono, a análise dessa experiência pode ajudar a entender como tais mecanismos afetaram esse sistema de comércio de emissões.

Um estudo mais recente (Marin et al., 2018) que avalia os impactos econômicos do EU ETS em todo o seu período de existência, e para todos os países participantes, compara as diferenças de desempenhos entre empresas com fontes reguladas e sem fontes reguladas. Os resultados indicam os seguintes efeitos positivos a favor das empresas com fontes reguladas: (i) valor adicionado cresceu em média 6%; (ii) o número de pessoal ocupado, em 7,8%; (iii) os investimentos, em 26,7%; e (iv) as vendas, em 14,9%. Nenhum efeito foi observado sobre os salários médios e a produtividade do trabalho. Já os efeitos negativos foram modestos: (i) a produtividade caiu entre 1,6 a 2,4%; (ii) o lucro, 1,5%; e (iii) o retorno sobre os investimentos, entre 0,4 e 0,5%.

Em suma, o EU ETS com mecanismos de proteção à competitividade não impactou negativamente o produto das instalações industriais reguladas. Isto é, não houve um efeito de escala ou mercado. Como seria esperado, o estudo indica que as empresas que mais inovaram demonstraram melhor desempenho.

Na Califórnia, a gratuidade foi reduzida para 50% já na segunda fase. No México, planeja-se também uma redução. Na Coreia do Sul, no entanto, a gratuidade foi reduzida em apenas 3% e esse mercado ainda sofre de falta de liquidez.

Tendo em vista essas experiências, recomenda-se que o SBCE inicie com uma alta taxa de gratuidade, porém menor do que 100% para evitar os problemas de liquidez e estimular o comércio de emissões para fortalecer o aprendizado de regulados e reguladores. E, para as fases seguintes, indicar que essa proteção será reduzida à luz da avaliação da sinalização de preço e com a adoção de indicadores determinados de risco de vazamento.

Métricas utilizadas para alocação gratuita 

A alocação gratuita pode ser feita utilizando duas métricas: grandparenting e benchmarking. No grandparenting, o direito de emissão é alocado de acordo com a participação do setor regulado na emissão total conforme seu nível histórico médio de emissões (medido em período recente antes da precificação), refletindo, portanto, majoritariamente o estágio recente do perfil das emissões. Essa métrica, assim, favorece setores com menores avanços no controle de emissões.

Na métrica grandparenting a alocação seria estimada da seguinte forma:

Alocação gratuita anual grandparenting = nível médio de emissões x fator de proteção x fator de redução de emissões.

Como já mencionado, as emissões históricas podem ser estimadas de acordo com a média dos últimos anos e o fator de proteção representa o percentual de gratuidade analisado anteriormente. O fator de redução de emissões representa a meta (cap) que aquele sistema de comércio definiu para o período de compromisso ₁₀.

Já quando se quer considerar esforços de controle do passado, a métrica utilizada pode ser a de um parâmetro de referência (benchmarking) e o nível de alocação gratuita é o produto do nível médio da atividade produtiva (nível médio da produção física medido em período recente antes da precificação) pela intensidade de emissão do produto considerada como eficiente. Logo um benchmark é definido de maneira intrassetorial, observando trajetórias tecnológicas e de produtos distintas dentro do mesmo setor.

Assim, no benchmarking a alocação seria estimada da seguinte forma:

Alocação gratuita anual do benchmarking = nível médio da atividade produtiva x fator de referência x fator de proteção x fator de redução de emissões

O fator de referência (benchmark) é a intensidade de emissões (emissão por produção) que pode ser estimada (i) observando-se a distribuição das intensidades e escolhendo uma que esteja acima de certo nível (por exemplo, 90%) das observações, ou (i) aquela que represente uma tecnologia de referência ₁₁. No EU ETS foram definidos 54 parâmetros (52 produtos e doiscom base em calor e combustível), enquanto no California Cap& Trade Program existem 30 parâmetros para produtos.

Tendo em vista a carência de dados e a sua maior simplicidade, recomenda-se, ao Brasil, nessa fase inicial, o critério de grandparenting para todos os setores. À medida que a implantação do relato de emissões consolidada e do sistema de monitoramento se solidifica, recomenda-se a adoção da métrica de benchmarking ₁₂. Essa sugestão está também alinhada com a proposta do Projeto PMR Brasil (ver Quadro 2).

RECOMENDAÇÕES PARA O SBCE 

A alocação gratuita pode ser feita utilizando duas métricas: grandparenting e benchmarking. No grandparenting, o direito de emissão é alocado de acordo com a participação do setor regulado na emissão total conforme seu nível histórico médio de emissões (medido em período recente antes da precificação), refletindo, portanto, majoritariamente o estágio recente do perfil das emissões. Essa métrica, assim, favorece setores com menores avanços no controle de emissões.

Na métrica grandparenting a alocação seria estimada da seguinte forma:

Alocação gratuita anual grandparenting = nível médio de emissões x fator de proteção x fator de redução de emissões.

Como já mencionado, as emissões históricas podem ser estimadas de acordo com a média dos últimos anos e o fator de proteção representa o percentual de gratuidade analisado anteriormente. O fator de redução de emissões representa a meta (cap) que aquele sistema de comércio definiu para o período de compromisso ₁₀.

Já quando se quer considerar esforços de controle do passado, a métrica utilizada pode ser a de um parâmetro de referência (benchmarking) e o nível de alocação gratuita é o produto do nível médio da atividade produtiva (nível médio da produção física medido em período recente antes da precificação) pela intensidade de emissão do produto considerada como eficiente. Logo um benchmark é definido de maneira intrassetorial, observando trajetórias tecnológicas e de produtos distintas dentro do mesmo setor.

Assim, no benchmarking a alocação seria estimada da seguinte forma:

Alocação gratuita anual do benchmarking = nível médio da atividade produtiva x fator de referência x fator de proteção x fator de redução de emissões

O fator de referência (benchmark) é a intensidade de emissões (emissão por produção) que pode ser estimada (i) observando-se a distribuição das intensidades e escolhendo uma que esteja acima de certo nível (por exemplo, 90%) das observações, ou (i) aquela que represente uma tecnologia de referência ₁₁. No EU ETS foram definidos 54 parâmetros (52 produtos e doiscom base em calor e combustível), enquanto no California Cap& Trade Program existem 30 parâmetros para produtos.

Tendo em vista a carência de dados e a sua maior simplicidade, recomenda-se, ao Brasil, nessa fase inicial, o critério de grandparenting para todos os setores. À medida que a implantação do relato de emissões consolidada e do sistema de monitoramento se solidifica, recomenda-se a adoção da métrica de benchmarking ₁₂. Essa sugestão está também alinhada com a proposta do Projeto PMR Brasil (ver Quadro 2).

RECOMENDAÇÕES PARA O SBCE 

O CEBDS entende que o SBCE deve ser gradualmente implantado com mecanismos que assegurem a custo-efetividade, mas com o cuidado de sempre promover e proteger a competitividade das empresas reguladas.

Mecanismos de proteção têm sido adotados na experiência internacional. As recomendações para a inclusão desses mecanismos no marco regulatório do SBCE seriam:

• Limiar de participação: a participação na primeira fase seria para fontes com emissões acima de 50 ktCO2e, com reavaliação desse limiar nas fases seguintes quando da consolidação do sistema de relato de emissões;

• Alocação gratuita de direitos de emissão: oferecer na fase inicial gratuidade máxima de até 90% aos setores intensivos em emissões e expostos ao comércio internacional e, nas fases seguintes, calibrar esse nível de alocação gratuita com indicadores de intensidade de carbono, de custos adicionais de mitigação e de comércio internacional;

• Critério de distribuição na alocação gratuita: fase inicial com base nas emissões médias recentes (grandparenting) e, depois, a implantação consolidada do relato de emissões.
Recomenda-se a adoção da métrica de benchmarking nas fases seguintes.
Seja qual for a abordagem para mitigar vazamentos, é essencial que ela seja focalizada, suficiente, previsível, justa e proporcional o máximo possível, tal como indicam os princípios sugeridos pela International Emissions Trading Association (IETA) (ver Quadro 3).

₁₀ Ver Seroa da Motta (2020), que apresenta a nota técnica do Workshop Técnico 1 – Marcos Legal e Institucional dos Sistemas de Comércio de Emissões.
₁₁ Quando benchmarks de produtos não podem ser definidos por causa de um mix de produtos muito diversificado ou variável, são utilizadas as chamadas abordagens de fall-back, usando o benchmark de calor, combustível ou de emissões de processo.
₁₂ Na experiência das simulações da Plataforma Empresas pelo Clima, ver SCE-EPC (2016), a utilização de benchmarking gerou maior aceitabilidade entre os entes regulados, uma vez que foi considerado mais efetivo e justo do que o grandparenting.

Quadro 3 – Princípios da IETA para Abordar o Vazamento de Carbono

A IETA acredita que uma abordagem ideal de proteção para lidar com o vazamento de carbono deve:

• Ser a mais focalizada, suficiente, previsível, justa e proporcional possível;
• Estar harmonizada entre jurisdições vinculadas;
• Compensar os custos diretos e indiretos;
• Encorajar reduções gerais de emissões por todos os setores que participam do comércio;
• Garantir que as instalações mais eficientes não enfrentem custos de carbono indevidos em comparação à concorrência internacional;
• Não afetar a meta do sistema de comércio de reduzir as emissões de forma custo-efetiva, nem seu papel em estimular investimentos limpos e inovadores;
• Não colocar em questão o sistema de negociação, nem seus princípios de eficiência, rentabilidade e garantia de liquidez;
• Ser totalmente racional, transparente e defensável;
• Baseado em evidências, não em teoria;
• Ser transitório e vinculado à obtenção de “condições de igualdade” para a competitividade industrial, especialmente à medida que mais jurisdições adotam políticas e programas climáticos.

Uma vez desenvolvidos, e sendo guiados pelos princípios acima, diferentes mecanismos de proteção contra vazamento de carbono devem ser avaliados em termos de:

1. Viabilidade Técnica (facilmente implantável do ponto de vista técnico, com um equilíbrio entre a precisão do método e a viabilidade técnica);
2. Viabilidade política (o nível de aceitação das partes interessadas e a viabilidade política devem ser avaliados cuidadosamente);
3. Eficácia na Preservação de Incentivos (para reduzir gases de efeito estufa);
4. Eficácia na Prevenção de Vazamento de Carbono (para garantir uma proteção adequada contra o risco de vazamento de carbono).

IETA, Addressing Competitiveness & Leakage Concerns,
International Emissions Trading Association, Genebra, 201

REFERÊNCIAS

BECK, U. e KRUSE‑ANDERSEN, P. K. 2. Endogenizing the Cap in a Cap‑and‑Trade System: Assessing the Agreement on EU ETS Phase 4. Environmental and Resource Economics 77:781-811, 2020.

BETZ, Regina; SATO, Misato. Emissions trading: lessons learnt from the 1st phase of the EU ETS and prospects for the 2nd phase.Climate Policy, 2006, 6:351–359 p.

DYBKA, D. et al. Border Carbon Adjustments in the EU Issues and Options. European Roundtable on Climate Change and Sustainable Transition, 2020.

Gobierno de México. Secretaría de Medio Ambiente y Recursos Naturales. CarbonPricing: México’s Update 2019. SERMANAT: Cidade do México, 2019.

HSIA-KIUNG, Katherine; REYNA, Emily; O’Connor, Timothy. California Carbon Market Watch: A comprehensive analysis of the golden state’s cap-and-trade program/year one 2012-2013. New York: Environmental Defense Fund, 2014.

INTERNATIONAL CARBON ACTION PARTNERSHIP. Emissions Trading Worldwide: Status Report 2019. Berlin: ICAP, 2019.

MARCANTONINI, C. et al. Free allowance allocation in the EU ETS, European University Institute, Florença, 2017.

MARIN, G., Marino, M. &PELLEGRIN, C. The Impact of the European Emission Trading Scheme on Multiple Measures of Economic Performance. Environmental and Resource Economics 71, 551–582, 2018.

MONJONAB, S. e QUIRIO, P. Addressing leakage in the EU ETS: Border adjustment or outputbased allocation? Ecological Economics 70:11: 1957-1971, 2011.

NARASSIMHAN, E. et al. Carbon pricing in practice: a review of existing emissions trading systems, Climate Policy, 18(8):967-9, 2018.

OH, Hyungna;HYON, Junwon ; KIM, Jin-Oh. Korea’s approach to overcoming difficulties in adopting the emission trading scheme. ClimatePolicy, 2016, 1–11: 947-961 p.

SCE-EPC Plataforma empresas pelo clima, Aprendizados da Simulação de Sistema de Comércio de Emissões, Propostas a partir da Experiência Empresarial, Empresas Participantes da Iniciativa, FGV, GVCes, São Paulo, 2016

WORLD BANK. State and Trends of Carbon Pricing 2021. Washington, D.C.: The World Bank /International Carbon Action Partnership, 2021. 86 p.

Proposta de Marco Regulatório para o Mercado de Carbono Brasileiro – CEBDS